Foro Privilegiado: O Obstáculo à Maturidade Institucional do Brasil
Segundo dados consolidados, o Brasil possui dezenas de milhares de autoridades com algum tipo de foro especial – um número que não encontra paralelo em nenhuma democracia ocidental consolidada.

Análise | Foro Privilegiado: O Obstáculo à Maturidade Institucional do Brasil
O Que Está em Jogo
A discussão sobre a prerrogativa de foro, popularmente conhecida como foro privilegiado, retornou com força ao epicentro do debate nacional. Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que redefiniram e ampliaram o alcance do instituto mesmo após a conclusão de mandatos parlamentares, não apenas geraram controvérsia jurídica, mas reacenderam um questionamento fundamental sobre o desenho institucional brasileiro.
Sob uma perspectiva conservadora, a análise transcende a hermenêutica jurídica. O que está em pauta é a funcionalidade, a eficiência e o equilíbrio do nosso sistema republicano. O modelo atual, que concentra um volume extraordinário de poder e processos na mais alta corte do país, fortalece a democracia e o Estado de Direito ou, ao contrário, perpetua um sistema de castas que gera ineficiência, insegurança jurídica e um perigoso desequilíbrio entre os Poderes da República? A resposta a essa pergunta é crucial para o futuro da estabilidade política e econômica do Brasil.
O Supremo como Corte de Primeira Instância: Uma Anomalia Ineficiente
Um dos pilares do pensamento conservador é a busca pela eficiência e pela responsabilidade na gestão dos recursos públicos. O atual sistema de foro privilegiado representa uma falha gritante nesse quesito. O STF, concebido para ser o guardião da Constituição e árbitro de grandes teses jurídicas, foi transformado em uma sobrecarregada corte criminal de primeira instância para a elite política.
Segundo dados consolidados, o Brasil possui dezenas de milhares de autoridades com algum tipo de foro especial – um número que não encontra paralelo em nenhuma democracia ocidental consolidada. Nos Estados Unidos, no Reino Unido ou na Alemanha, as mais altas autoridades políticas respondem a processos criminais em tribunais de primeira instância, como qualquer outro cidadão. Essa anomalia brasileira gera consequências diretas e mensuráveis:
- Lentidão e Prescrição: A estrutura do STF não foi desenhada para a instrução processual de crimes comuns (coleta de provas, oitiva de testemunhas, etc.). O resultado é uma lentidão sistêmica que, não raro, leva à prescrição dos crimes, garantindo a impunidade na prática.
- Desvio de Finalidade: Enquanto ministros dedicam tempo precioso a processos que poderiam tramitar em instâncias inferiores, questões constitucionais de grande impacto para a vida do cidadão e para o ambiente de negócios aguardam julgamento. Trata-se de uma alocação ineficiente do mais alto capital intelectual do Judiciário.
A manutenção desse sistema representa um custo de oportunidade gigantesco, minando a eficiência do Estado e desacreditando o princípio de que a justiça deve ser célere e igualitária.
De Proteção Institucional a Instrumento de Blindagem Política
A lógica original do foro por prerrogativa de função era proteger o cargo de perseguições políticas infundadas em nível local, garantindo a independência e a estabilidade do mandato. Contudo, ao longo das décadas, essa prerrogativa funcional foi desvirtuada, convertendo-se em um escudo pessoal para o indivíduo que ocupa o cargo.
Para a análise conservadora, que valoriza a ordem e o equilíbrio entre os Poderes, essa mutação é preocupante. O foro tornou-se uma espécie de "espada de Dâmocles" sobre o Congresso Nacional. A concentração de centenas de inquéritos e ações penais contra parlamentares no STF cria um ambiente de potencial pressão. Em momentos de tensão política, decisões monocráticas ou deliberações sobre o recebimento de denúncias podem ser interpretadas — com ou sem razão — como instrumentos de influência sobre a agenda legislativa.
Essa dinâmica compromete a soberania do Legislativo, pilar da democracia representativa, e alimenta a percepção pública de que o foro deixou de ser uma garantia institucional para se tornar uma moeda de troca no complexo jogo político de Brasília.
Insegurança Jurídica: O Custo do Ativismo e da Volatilidade Interpretativa
O princípio da segurança jurídica é a base para um ambiente de livre mercado próspero e para o fortalecimento do Estado de Direito. Investidores, empreendedores e cidadãos precisam de previsibilidade e estabilidade nas regras do jogo. As constantes mudanças de entendimento do STF sobre os limites do próprio foro privilegiado minam diretamente essa previsibilidade.
Em 2018, a Corte restringiu o foro a crimes cometidos durante o mandato e em função dele. Recentemente, revisou seu próprio entendimento para ampliá-lo. Como bem apontado pelo ministro Gilmar Mendes, que classificou a mudança como "casuísmo", essa volatilidade interpretativa é corrosiva. Quando a mais alta corte do país altera as regras processuais que se aplicam à classe política com base em circunstâncias momentâneas, a mensagem que se envia à sociedade é a de que o direito não é estável, mas fluido e sujeito a conveniências.
Essa instabilidade, um sintoma do ativismo judicial, transcende o debate político. Ela afeta a confiança no sistema como um todo, gerando um ambiente de incerteza que é prejudicial ao desenvolvimento econômico e à coesão social.
O Caminho Propositivo: Restaurando a Lógica Republicana com a PEC 333/2017
A crítica, para ser construtiva, deve ser acompanhada de uma proposta. E ela existe. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 333/2017, já aprovada por unanimidade no Senado Federal, representa a solução mais madura e alinhada aos princípios conservadores.
A PEC propõe uma drástica restrição do foro privilegiado, mantendo-o apenas para os chefes dos Poderes em nível federal: Presidente da República, Vice-Presidente, e os Presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Todos os demais – parlamentares, ministros, governadores, etc. – responderiam à Justiça comum.
A aprovação desta reforma estrutural significaria:
- Reforço do Princípio Republicano: Reafirmaria o valor fundamental de que todos são iguais perante a lei.
- Alinhamento Internacional: Aproximaria o Brasil das práticas adotadas pelas democracias mais estáveis e desenvolvidas.
- Restauração do Equilíbrio de Poderes: Devolveria ao STF sua vocação de Corte Constitucional e liberaria o Congresso de uma potencial tutela judicial.
Conclusão: Um Passo Urgente Rumo à Normalidade Institucional
O foro privilegiado, na sua dimensão atual, é uma herança disfuncional que se tornou fonte de instabilidade, ineficiência e descrédito. Ele sobrecarrega o Supremo Tribunal Federal, gera insegurança jurídica por meio de interpretações voláteis e cria uma inaceitável assimetria entre representantes e representados, corroendo o capital social e a confiança da população nas instituições.
A perspectiva conservadora não defende a extinção de garantias, mas a restauração da ordem, da lógica e da responsabilidade. A restrição drástica do foro, como propõe a PEC 333/2017, não é uma medida punitivista, mas um passo fundamental para o amadurecimento da República. É um caminho de retorno à normalidade institucional, onde cada Poder cumpre seu papel constitucional e cada cidadão, independentemente do cargo que ocupe, responde por seus atos perante a mesma lei. Em um país que anseia por estabilidade e progresso, reduzir privilégios para fortalecer a Justiça é uma tarefa inadiável.